O Guarani
O Guarani José de AlencarMinha prima. - Gostou da minha história, e pede-me um romance; acha que posso fazer alguma coisa neste ramo de literatura.Engana-se; quando se conta aquilo que nos impressionou profundamente, o coração é que fala; quando se exprime aquilo que outros sentiram ou podem sentir, fala a memória ou a imaginação.Esta pode errar, pode exagerar-se; o coração é sempre verdadeiro, não diz senão o que sentiu; e o sentimento, qualquer que ele seja, tem a sua beleza.Assim, não me julgo habilitado a escrever um romance, apesar de já ter feito um com a minha vida.Entretanto, para satisfazê-la, quero aproveitar as minhas horas de trabalho em copiar e remoçar um velho manuscrito que encontrei em um armário desta casa, quando a comprei.Estava abandonado e quase todo estragado pela umidade e pelo cupim, esse roedor eterno, que antes do dilúvio já se havia agarrado à arca de Noé, e pôde assim escapar ao cataclisma.Previno-lhe que encontrará cenas que não são comuns atualmente, não as condene à primeira leitura, antes de ver as outras que as explicam.Envio-lhe a primeira parte do meu manuscrito, que eu e Carlota temos decifrado nos longos serões das nossas noites de inverno, em que escurece aqui às cinco horas.Adeus.Minas, 12 de dezembro.…